Benefício menor que 1 salário-mínimo e acordo internacional

Um benefício pago com base em acordo internacional de previdência social pode ser menor que 1 salário-mínimo em situações excepcionais.
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Pode um benefício previdenciário ser menor que 1 salário-mínimo, se for pago com base em um acordo internacional de previdência social?

Imaginemos o seguinte exemplo:

Josefa trabalhou durante 6 anos na Grécia e, por isso, contribuiu para o regime de previdência lá existente.

Depois, voltou ao Brasil e, aqui trabalhando, contribuiu para o INSS por mais 9 anos.

Por ter atingido a carência de 180 contribuições mensais (art. 25, inc. II, Lei 8.213/91), esperou alcançar 60 anos de idade quando, então, requereu, em 2017, uma aposentadoria por idade ao INSS, de acordo com a legislação vigente antes da última reforma da previdência (art. 48 da Lei 8.213/91).

O INSS concordou com o seu requerimento. Mas, valendo-se do argumento da existência de um acordo internacional de previdência social, concedeu um benefício com valor menor que 1 salário-mínimo.

A Grécia, por sua vez, nada paga a ela, pois Josefa não atingiu os requisitos para se aposentar por lá.

O INSS agiu corretamente? O benefício não deveria ter o valor de, pelo menos, 1 salário-mínimo?

O Decreto 3.048/99 permite o pagamento de um benefício menor que 1 salário-mínimo na hipótese de acordo internacional

De acordo com o Decreto 3.048/99, a renda mensal dos benefícios previdenciários por totalização, concedidos com base em acordos internacionais de previdência social, pode ter valor inferior ao do salário-mínimo (art. 35, §1.º).

Nesse caso, aquilo que será pago pelo INSS será proporcional ao tempo de contribuição cumprido no Brasil, observada a totalidade dos períodos nos países acordantes (art. 650 da Instrução Normativa INSS/PRES 77/2015).

Devido a essa proporcionalidade, o pagamento, aqui no Brasil, de um benefício com valor menor que 1 salário-mínimo estaria, em tese, justificado.

Por outro lado, a Constituição estabelece o salário-mínimo como piso para benefícios previdenciários

Segundo a Constituição da República, nenhum benefício que substitua o salário-de-contribuição ou o rendimento do trabalho terá valor mensal inferior ao salário-mínimo (art. 201, §2.º).  

Diga-se de passagem, essa regra é repetida no Plano de Benefícios da Seguridade Social (art. 2.º, inc. VI, Lei 8.213/91) e no Plano de Custeio da Seguridade Social (art. 3.º, parágrafo único, “b”, Lei 8.212/91).

Nesse sentido, a Constituição garante que o benefício sirva como fonte de renda principal do segurado.

Por conseguinte, garante, também, a manutenção de sua subsistência e a existência de condições mínimas de dignidade humana.

O pagamento de benefício previdenciário menor que 1 salário-mínimo, com base em acordo internacional, é inconstitucional

Em minha opinião, a regra da proporcionalidade invocada pelo INSS é inválida e inaplicável. Afinal de contas, a Constituição não faz ressalvas quanto à garantia de pagamento de, pelo menos, 1 salário-mínimo.

Em outras palavras: as previsões contidas no Decreto 3.048/99 e na Instrução Normativa INSS/PRES 77/2015, são inconstitucionais.

Essa conclusão pode ser reforçada, também, pelo fato de que as normas constitucionais que tratam da previdência social gozam de status de direitos sociais. Estes, uma vez conquistados, não podem ser livremente suprimidos ou restringidos, a menos que haja uma medida compensadora ou mitigadora.

É a aplicação da vedação jurídica ao retrocesso social, por sua vez imortalizada no brocardo francês “effet cliquet”.

O pagamento de benefício previdenciário menor que 1 salário-mínimo, com base em acordo internacional, é, também, ilegal

Também entendo que, não bastasse a inconstitucionalidade apontada no tópico anterior, o Decreto 3.048/99 e a Instrução Normativa INSS/PRES 77/2015, são ilegais.

De fato, tais instrumentos têm caráter infralegal e, por isso, não podem criar a ressalva em questão e inovar no ordenamento jurídico.

Como instrumentos de caráter infralegal que são, deveriam, somente, se limitar a explicar e/ou tornar aplicável uma regra oriunda de processo legislativo previamente finalizado pelo Congresso Nacional.

Não é o caso.

O que disse a Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais – TNUJEF?

Recentemente, a TNUJEF se manifestou sobre o assunto, ao julgar caso de benefício pago em razão de acordo celebrado entre Brasil e Portugal (vide o Tema 262).

Ela decidiu que, havendo benefício previdenciário por totalização, o valor pago pelo INSS poderá ser inferior ao salário-mínimo nacional, se a soma dos benefícios devidos por cada país for igual ou maior que isso.

Ex.: um aposentado pode receber R$ 700,00 do INSS, contanto que também receba R$ 512,00 de Portugal. Afinal de contas, a soma, aí, será de R$ 1.212,00 (salário-mínimo vigente no Brasil para o ano de 2022).

Entretanto, a TNUJEF ressalvou duas hipóteses.

Primeiramente, se o beneficiário, aqui no Brasil, ainda não tiver adquirido o direito ao benefício lá fora, caberá ao INSS a complementação. Evidentemente, esse dever persiste até o início do pagamento do benefício estrangeiro.

Em segundo lugar, e por fim, se a soma dos dois benefícios for menor que 1 salário-mínimo, o INSS também pagará a diferença para os beneficiários aqui residentes.

Todas essas diretrizes tendem a prevalecer nos Juizados Especiais Federais.

O direito de revisão do ato concessório do benefício

Dito isso, Josefa pode sustentar o direito à revisão do seu benefício.

Isso porque ela nada recebe da Grécia e a parte paga pelo INSS é menor que 1 salário-mínimo.

Ou seja, ela se enquadra em uma das ressalvas indicadas pela TNUJEF, que impõem o dever de pagamento de um complemento, pelo INSS.

Contudo, é preciso que o benefício tenha sido concedido há menos de 10 anos. Do contrário, haverá decadência do direito de revisão do ato concessório (art. 103, “caput“, Lei 8.213/91).

Com a revisão, haverá, também, o direito ao pagamento das diferenças financeiras correspondentes aos 5 anos anteriores ao ajuizamento da ação, que é o prazo prescricional (art. 103, §1.º, Lei 8.213/91).

Uma ressalva quanto ao salário-família e ao auxílio-acidente

A garantia de pagamento de, pelo menos, 1 salário-mínimo alcança, apenas, os benefícios que substituem o salário-de-contribuição ou o rendimento do trabalho.

Por isso, o salário-família e o auxílio-acidente podem, tranquilamente, ter renda mensal inferior ao salário-mínimo.

É que, aí, o beneficiário receberá, ao mesmo tempo, o benefício pago pelo INSS e o rendimento decorrente do seu trabalho (nesse sentido: Goes, Hugo Medeiros de. In Manual de direito previdenciário, 5.ª edição, Rio de Janeiro, Ed. Ferreira, 2011, págs. 28 e 29).

Perguntas frequentemente realizadas

É possível se aposentar com menos de 1 salário-mínimo?

A nossa legislação garante que todo aquele que se aposentar pelo INSS terá direito a um benefício de, pelo menos, 1 salário-mínimo.

Portanto, esse é o menor valor que pode ser pago pelo INSS.

Todavia, o detentor de benefício pago com base em um acordo internacional pode receber, do INSS, um valor menor, desde que receba um complemento do exterior que seja suficiente para atingir 1 salário-mínimo brasileiro.

Se não recebê-lo, caberá ao INSS a complementação.

Esse é o entendimento da TNUJEF, que tende a prevalecer nos Juizados Especiais Federais.

Obs.: evidentemente, não estamos, aqui, tratando de empréstimos consignados. Nessas hipóteses, o benefício pode ser pago em valor inferior a 1 salário-mínimo, devido à vontade do beneficiário de descontar, mensalmente, a sua dívida. Não há, aqui, que se falar em complementação pelo INSS.

Qual o menor valor de benefício pago pelo INSS?

Em regra, os benefícios previdenciários tem o piso de 1 salário-mínimo.

Entretanto, se o benefício for pago com base em um acordo internacional, o INSS pode pagar um valor menor, se o aposentado receber um complemento do exterior suficiente para atingir 1 salário-mínimo brasileiro.

Além disso, o salário-família e o auxílio-acidente, por não substituírem o salário-de-contribuição ou o rendimento do trabalho, podem ser pagos em valor menor que 1 salário-mínimo, a ser apurado caso a caso.

Em caso de dúvidas, converse com um(a) advogado(a) ou com um(a) defensor(a) público(a) para que ele(a) analise, de maneira particularizada, a sua situação!

Texto atualizado em 19/08/2022.

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Manoel Francisco do Nascimento Júnior

Analista Judiciário da Justiça Federal em Pernambuco. Assessor de magistrado há mais de 10 anos. Bacharel em Direito pela UFPE. Pós-graduado em Direito Previdenciário e em Direito Empresarial.
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